Sempre vejo na tevê, reportagens sobre os esportes radicais. Uns escalam montanhas, outros pulam delas. Alguns outros surfam no espaço. Tem também aqueles atletas que fazem questão de subir e pular das montanhas, surfar no espaço e, ainda, experimentar o friozinho na espinha, quando praticam o “bung jump” e coisas do gênero. Eu, grande atleta dos levantamentos de copo de fim de semana, tenho nas viagens de lotação o esporte mais radical como prática. E quem acha que andar de lotação não é esporte radical é porque nunca experimentou a viagem.
Uma “boa” viagem de lotação, logo após o almoço, por estradas esburacadas, cheias de curvas ou calçamento, é “esporte” dos mais radicais. No calçamento, temos a impressão de que estamos sendo repartidos em centenas de pedacinhos. Até a voz da gente se quebra. E-u-j-á-v-i-v-i-g-e-n-t-e--t-e-q-u-e-q-u-e-b-r-a-r-a-a-a-d-e-n-t-a-d-u-u-r-a-a (ufa, parou um pouquinho), tentando falar quando o lotação segue pelo calçamento. Teve até o caso do cidadão que viu seu olho de vidro “saltar” do globo ocular, ao tentar ler (com o olho são, é lógico) uma notícia de jornal. Em rua esburacada, principalmente para quem anda no banco de trás, a experiência é inesquecível.
Dia desses, num baque que o lotação deu ao passar sobre um buraco, uma mocinha que estava no banco de trás caiu sentada no colo de um passageiro que ia no banco da frente. O rádio do velhinho mudou de emissora, uma mulher ficou com os seios (enormes) para fora do vestido e as lentes de contato de uma bichinha caíram no saquinho de pipocas do casal de namorados.
E as curvas? Não há montanha russa que supere. Lotação velho fazendo curvas a sessenta quilômetros por hora é coisa para ocupar todos os santos que a gente conhece... “Valha-me Santo Antônio, São Pedro, São Judas, São José...e o ‘são motorista da curva perigosa... ai!"
Mas até agora só falei das coisas “normais” de uma viagem de lotação e já tem atleta radical morrendo de inveja. Pois é, rapaziada, vocês vão babar com o que eu vou contar a seguir. Entrei no lotação pela manhã e, por acaso, eu estava atrasado e o veículo lotado. Levava agenda, um livrinho para distrair no percurso e um minigravador. Ao meu lado encostou uma mocinha na formosura dos 15 aninhos. Atrás dela um séquito de rapazinhos uniformizados. Estudantes, detectei. Nos assentos, várias crianças que não pagaram passagem. Suas mães, fingindo que não conheciam ninguém para não precisar ceder o lugar dos “anjinhos”. Um menino tirava melequinha do nariz e limpava no cabelo da coleguinha.
Tentei me concentrar no livro. Mas, na primeira freada, bati com o livro e o gravador na cabeça de um senhor e o livro foi parar dentro da sacola de uma senhora que estava no banco da frente. A mocinha formosa teve que se virar para não ser esmagada pelos estudantes que, em conjunto, aproveitaram para dar uma “esbarrada” nela.
Recompostos, seguimos viagem. Um ponto à frente, entrou uma senhora, daquelas gordonas, pesando mais que cem quilos. Aquelas arrobas todas, um verdadeiro mulherão, sobrando carne/gordura para todo lado, se dirigiu para a roleta. Eu quis pedir para ela não fazer aquilo, mas não deu tempo. A dona redonda “entalou” na roleta. Aí, começou a maior gritaria:
- Pára motorista. Socorro. Me tira daqui!!!, implorou a dona gorda.
- Cruuuzes, a mulher entalou, tadinha!!!, gritou o rapazinho afeminado.
- Pô meu, a gorducha “sifu”... comentou o descolado.
- Ó meu Senhor, ajudai-me. Vade retro satanás!, apressou-se a evangélica.
Lá estava a gorda, bufando, suando muito e tentando se mover. O lotação parou. Fomos todos ajudar, afinal, esse era o nosso dever.
- Puxa ela... não, empurra... passa graxa nela que escorrega e sai...
Palpites não faltaram. Mas com tantas tentativas a mulher não se movia um centímetro. Um rapaz tentou empurrá-la pela barriga.
Aconteceu o que eu temia: um ruído abafado (fffuuuuufufiiiuuu), acompanhado de um cheiro de ovo chôco, tomou conta do local. As janelas, que até então estavam fechadas, se abriram como se fossem automáticas.
Passado aquele momento, resolvemos organizar um grupo de salvamento e preparar um ‘esquema tático’, como disse o desportista, para solucionar o problema. Eu, como sabiam, homem das letras, fui escalado para fazer a ata de fundação do “primeiro grupo de salvamento para acidentes e incidentes com coletivos na cidade de Itaúna”. Também tive que secretariar aquele primeiro “trabalho” da entidade recém-criada.
Várias outras funções foram distribuídas por um mestre-de-obras que assumiu a direção da empreitada. Partimos então para elaborar um plano minimamente exequível. Depois de discutirmos os prós e os contras da ação, resolvemos que duas turmas de dez homens cada uma, trabalhariam no local. Os dez primeiros empurrariam a senhora obesa pelas costas, nádegas (e que tamanhão) e onde mais pudessem colocar as mãos. Os outros dez puxariam nossa “vítima” pelos braços, pernas, cabelos, beiço, orelha, etc...
Depois de muito forçarmos, a senhora desentalou, provocando um estrondo com a pressão e atingindo os dez que a puxavam, em cheio. O saldo foram algumas avarias e costelas quebradas. Um aaahhhh, de alívio, percorreu todo o lotação quando, finalmente, o motorista deu partida para retomarmos a viagem. Andamos por mais uns 600, 700 metros, quando uma outra senhora obesa fez sinal para o ônibus parar. Um senhor, magrinho, com jeito de anêmico, que até então permanecera calado, gritou para o motorista:
- Se parar o ônibus eu vou dar uns tiros aqui dentro!
Seguimos viagem. Vinte minutos depois, chegamos ao centro da cidade, todos descabelados, empoeirados, com as roupas amassadas, mas com aquela cara de burra felicidade dos atletas que optam pelos esportes radicais.
(Publicada nos jornais Spasso e Folha do Povo, da cidade de Itaúna-MG)