Maria Lúcia Mendes
Avó e neto passarinhavam na vagareza da tarde.
Caminhavam devagar, enquanto uma brisa leve balançava os ramos e os pássaros apressavam a volta aos ninhos. Cigarras arteiras chiavam, sem descanso, enquanto um bem-te-vi pôs-se a cantar estridente: Bem-te-vi, bem te vi, te vi, ti vi.
- Pois me vistes, cala-te o bico. - falou alto um senhor de óculos, provocando risos nas pessoas que passavam. E não é que o tagarela obedeceu? O menino seguia calado, sempre de mãos dadas com a avó, atento a tudo o que via ao redor. Nisto, ao passarem rente é um velho muro, já sem reboco, o pequeno pára e grita:
- Olha, vó! Olha isto! Olha! - Custando a enxergar o que o neto apontava, ela chega mais perto para ver o que João olhava com tanta alegria. Era uma flor miudinha, brotada na greta de um tijolo, pequena como um grão de feijão. Surdo aos apelos da avó, para seguir em frente, o menino demorou o quanto quis e, ao sair, tornou a olhar a flor e disse sorrindo:
- Adoro girassóis!
De um lugar surreal, naquele instante, Vicente Van Gogh, coçou a orelha e afagou seus pincéis.
(MENDES, Maria Lúcia. Os girassóis de João. Editora Ramos: Itaúna, 2023, p.101-102)
3 comentários:
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Belíssimo poema. A beleza da vida se encontra nas pequenas coisas, nos pequenos gestos e os pequenos tem a capacidade de enxergar e sentir isso. 👏
Este é um exemplo de texto poético não escrito em forma de um poema. A poesia pode ser escrita de várias formas, até mesmo em textos dissertativos, descritivos ou em um texto ficcional. Olha a beleza da primeira frase deste texto: "Vó e neto passarinhavam na vagareza da tarde", isso é de uma beleza, de uma sensibilidade... passarinhar é belíssimo --- ainda mais passarinhavam não em qualquer lugar, mas na "vagareza da tarde". Maria Lúcia traz sempre este encantamento para os gestos simples da vida. Um simples caminha de uma avó com seu neto ganha uma nova dimensão... esse encantamento pela palavra que é a essência da poesia.
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